A cidade dos estudantes
...é uma das mais míticas e lendárias cidades portuguesas. À excepção de Lisboa, nenhuma outra cidade mereceu a atenção de tantos poetas e escritores portugueses ilustres. Como lembra Miguel Torga estudante de Coimbra, foi daí "que saíram Camões, Garret, Antero, Eça(...) Por isso, Coimbra é uma cidade cheia de sentido nacional. Não há nenhuma mais bela no país, e muito do que a Nação fez de bom e de mau fê-lo aí, ou teve aí a sua génese. (...) "Coimbra é uma cidade de grandes tradições: históricas, políticas, culturais, literárias, populares" para acrescentar que "não houve no nosso país revolução política ou movimento cultural que não encontrassse entre os estudantes de Coimbra apoio ou reflexo." Uma das grandes tradições é, por exemplo, o Fado de Coimbra, mitificador, ele próprio, da história da cidade e criador de personagens históricas que identificam e se tornaram símbolos da cidade. (...) É ainda, e assim é conhecida, a "Cidade do Mondego", que "não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portigal. É também o mais português por ter sido sentido e cantado por quase todos os grandes poetas portugueses."
...é difícil caracterizar a identidade da cidade a partir dos seus símbolos. Esta tarefa seria, aliás, impossível se os elementos identitários e representacionais de Coimbra não estivessem intimamente ligados todos à mesma fonte: a Universidade.
Com os seus setecentos anos de existência a Universidade tem em Coimbra um peso simbolicamente arrasador nos discursos representacionais da cidade. (...) A presença secular da Universidade deixa uma marca indelével em todos os traços identitários da cidade, desde os monumentos às personagens históricas passando pelo ritmo da própria cidade, os seus modos de vida mais característicos e específicos, a sua estrutura económica e os episódios marcantes da história local.
Nas monografias históricas Coimbra difunde uma imagem de cidade histórica e até monumental. Desde o seu símbolo mais popular, a Torre da Universidade, aos seus monumentos mais esplendorosos e emblemáticos, como a Biblioteca Joanina, a Sala dos Capelos ou a Capela de São Miguel, os ícones que representam Coimbra são edifícios universitarios. (...) Não sendo representada pela sua singularidade monumental, a cidade de Coimbra é sobretudo vista como uma cidade histórica que rememora, através dos seus monumentos, algumas personagens, dos acontecimentos, das lendas e dos actos heróicos do país. Nesta dimensão histórica integra-se também um outro símbolo da cidade: o Portugal dos Pequenitos, que é um dos locais mais visitados em Coimbra.
Um outro símbolo da cidade são os estudantes (...) Coimbra é, por excelência, a "Cidade dos estudantes" (...) Da praxe académica à Queima das Fitas, da Latada aos grupos musicais académicos, Coimbra inspirou muito significativamente aquilo que é o novo clima urbano e cultural de algumas cidades médias portuguesasa. O ritmo da própria cidade está condicionado ao próprio calendário académico e à presença ou ausência de estudantes. (...) é ainda no seio da Academia que emergem novas dinâmicas urbanas. Particularmente aos estudantes, Coimbra deve a imagem de cidade contestatária e reivindicativa.
Esta imagem de cidade contestatária tem um outro símbolo a que a cidade deve muita da sua projecção nacional e internacional, também ele nascido no seio da Academia. A "Académica", a "Briosa" (...) inspirou muitos clubes de futebol...
Menos visível, mas identificadora da cidade, é a imagem que Coimbra dá de uma cidade dual e dividida. Dividida entre a Alta burguesia ligada à Academia, com a Universidade a ocupar o topo da colina e as "Repúblicas" a acentuarem o poder simbólico dominante, e a Baixa popular, ligada ao comércio e aos serviços. (...) Dividida socialmente entre "Doutores e Futricas" com consequências evidentes na cadência da cidade e na segregação dos seus espaços. (...) Coimbra não é apenas uma cidade dividida, é uma cidade que divide, que é muitas vezes representada como uma "Cidade de passagem" em que se fica por uns anos até os estudos acabarem. Por isso, para impôr a sua marca de cidade que divide, "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida".
IV Congresso Português de Sociologia
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