13 novembro 2007

Morangos com Açúcar - uma série (des)educativa? (II)

A série juvenil Morangos com Açúcar tem vindo a alcançar um enorme sucesso e atrai público das mais diversas idades e das mais diversas formações. Ao contrário de muita gente que vê a série e não assume vê-la por vergonha, eu assumo que sou telespectadora desta série desde o seu início. Não com muita regularidade mas com aquela que me é possível.

A série tem muitas falhas, inconvenientes e mensagens mal passadas. Contudo, também passa cenas reais e de reflexão e esta série actual é, a meu ver, a mais bem conseguida. As séries anteriores retratadas num colégio privado apresentavam situações de aplicação na realidade, contudo a nova série apresentasse do meu ponto de vista como mais interessante dado decorrer numa escola pública, com famílias maioritariamente de classe baixa e média/baixa e de baixo estatuto social.

Deparamo-nos com uma realidade que acontece em muitas escolas públicas nomeadamente das escolas das urbes. As instalações não são das melhores, salas cheias de alunos enquanto nas privadas nos deparamos com melhores instalações e turmas menos lotadas. Ou seja, há toda uma apropriação do espaço por parte dos indivíduos que nos indiciam relativamente à sua pertença social.
Depois a sua apropriação do tempo que se concentra sobretudo entre a escola e a casa, alguns casos articulando com a prática de andebol por parte dos rapazes e a claque por parte das raparigas. Hábitos e modos de vida que indicam a sua pertença familiar e social como sendo de classe e estatuo baixo/médio. O próprio desporto desta série, o andebol, é um desporto considerado praticado por indivíduos de classe e estatuo baixo/médio. Por seu turno, as pessoas que assistem são de uma classe baixa mas também de uma classe média.
Toda esta apropriação do tempo e do espaço nos dão determindas características do estilo de vida dos indivíduos.
A própria linguagem dos indivíduos que usam uma linguagem muito corrente e, sobretudo, o calão.

Nesta série deparamo-nos também com alguns indivíduos com um estilo dread, funk próprio de indivíduos rebeldes e revoltados com a sua vida e que expressam, não raro, pelo seu vestuário uma forma alternativa de vida, uma forma de se expressarem e de me marcarem a sua posição no espaço social distinguindo-se dos outros e assumindo-se como pertencentes a um grupo (geralmente uma subcultura) com comportamentos e modos de vida próprios. Geralmente descarregam a sua fúria e fazem valer o seu novo papel social, assumindo-se como protagonistas do cenário social, batendo e humilhando os alunos mais novos que são aqueles que se submetem às suas vontades. São indivíduos muitas vezes oriundos de famílias problemáticas nas quais eles não recebem o mínimo de carinho e atenção, nas quais sentem que não lhes é dado valor e atenção, levando-os a alcançar o protagonismo através de formas desviantes.
Geralmente, são maus alunos dada a sua rebeldia e desinteresse pelos estudos que advém, muitas vezes, de estarem inseridos num lar onde estão perante uma desestruturação familiar: laços familiares cortados, ausência de um dos progenitores, pais demasiado benevolentes na educação dos filhos, entre outros pontos.
Aqui ainda nos deparamos com famílias onde houve ruptura familiar que, por tal, vive com graves dificuldades financeiras para sustentar filhos na escola. Tal também leva a inconformismo e revolta por parte dos jovens quando cada vez mais inseridos numa sociedade consumista.
Ainda retrata casos de crianças orfãs que vivem em lares e frequentam a escola muitas vezes censuradas pelos colegas por isso. Jovens carentes, que nunca souberam o que era afecto maternal e paternal. Uns vivem o ressentimento de forma mais pacata, outros revoltam-se através do vestuário e pelos seus comportamentos desviantes.

Por outro lado, estamos perante uma família de classe social alta e elevado estatuto social, mais concretamente mãe dentista e pai cirurgião. Deparamo-nos aqui com uma grande ausência dos progenitores na educação do filho visto andarem sempre ocupados e somente interessados na sua actividade profissional. Dinheiro e bens não faltam mas o jovem é carente de atenção. Não obstante, muitos destes jovens muitas vezes optarem pelo desvio como forma de obter atenção, mas por acaso nesta série isto não se aplica.

Não raro, estes indivíduos assumirem comportamentos desviantes como o início precoce no consumo de estupefacientes que podem decorrer de diversos factores. Factores de índole individual como a curiosidade, a necessidade de pertença ou de filiação a um grupo, a procura do risco ou uma forma de auto-afirmação, necessidade de evasão ou euforia. Depois factores familiares como a ausência de progenitores ou a demissão de algum na educação dos filhos, o exemplo de algum dos progenitores que também bebe ou fuma, ausência de equilíbrio nas relações familiares. E ainda factores de carácter social como a influência da cultura do meio social em que o indivíduo está sujeito, a própria escola vivida como aborrecida e desligada dos problemas da vida real e as desigualdades sociais de oportunidades.

Se esta série não caír no ridículo como já aconteceu em fases de séries anteriores poderá ter um significado importante na transmissão de valores.

4 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Um bom tema esse da análise social das telenovelas. Não vejo mas li o seu post com atenção. Gostei.

Helena Antunes disse...

Obrigada Francisco pelas suas palavras sempre simpáticas.

Anónimo disse...

Ola :)

Gostaria de felicitar o teu blogg, pela pertinencia e criatividade :)
Lena, também vejo Morangos, concordo contigo quando te referes as anteriores series. De facto, passavam sempre imagens e atitutes, como as que referiste. Esta nova serie, é diferente, nota-se uma tentativa clara de aproximação à "realidade" social do pais. Todavia, certos parametros da vida social dos individuos retratados na serie, têm um caracter relativo em relação à realidade social do pais. Não se pode afirmar que tal desporto ou estilo se adequem mais ao estrato social (a) e não ao (b). Apesar das diferenças visiveis entre as diferentes classes (atraves de variadas formas, como a ostenção da sua riqueza, pela utilização de bens materiais, por exemplo, acessiveis só a essas classes mais abastadas) existe uma convergência no que respeita à prática de alguns eventos, como futebol, ténis, etc.. É perfeitamente usual, vermos pessoas de classes mais baixas, praticarem desportos antigamente associados a classes mais favorecidas, a exemplo disso temos o golfe, ténis.. E o mesmo se aplica a classes altas, a pratica de desportos como o andebol, por exemplo.. (Observação directa) As realidades das classes em certos aspectos, está em mudança, todavia, o que não muda, é a sua cada vez maior riqueza em detrimento da pobreza. Portanto, as várias realidades possuem um componente relativa.. Isto, no que respeita a hábitos e modos de vida, que não indicam necessariamente a pertença a determinadas classes.. Em certos aspectos, pois claro. Como o andebol, que apesar de poder ser considerado um desporto das classes médias/baixas, não invalida a pratica desse mesmo desporto por elementos de outras classes.. As barreiras que pudessem existir no desporto sobre a sua pratica, pelas diferentes classes, nos dias que correm, estão completamente gastas.. Para isso, muito tem contribuido os incentivos à prática desportiva pelos demais orgãos de governação, etc.. Todavia, estamos a acordar um pouco tarde para o problema, isto porque o pais carece de meios e infraestruturas capazes de dar resposta a todas as solicitações da sociedade. Esperemos que o ditado seja bom pronuncio, "mais vale tarde que nunca!". Em relação aos Morangos, penso que fizeste uma análise construtiva e muito correcta :)

Os meus Parabéns Sra. Socióloga!!

Beijinhos

Helena Antunes disse...

Vítor, lê o livro "Uma Esfera Cuja Circunferência Está Em Parte Nenhuma - Apontamentos sobre a popularidade do futebol" do Professor Albertino Gonçalves e vê o esquema que ele lá tem da distribuição de modalidades desportivas por capital económico e capital cultural e vês que aquilo que digo vai de encontro ao que ele refere.

Boa leitura!

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