29 novembro 2007

"Os meus tóxicos"

Hoje apeteceu-me escrever um post dedicado aos "meus tóxicos". Ora quem são os "meus tóxicos"? Fiz o meu estágio curricular na instituição de reabilitação de toxicodependentes Projecto Homem (Braga), mais concretamente na fase de Reinserção Social, última fase do programa. Por isso, já estão a ver quem são os "meus tóxicos": são os utentes.
Os cinco meses lá passados fez com que se criasse uma relação de proximidade entre mim e eles. Eu estava com eles nos grupos de auto-ajuda onde exercia também um pouco a função de terapeuta; falava muito com eles fora dos grupos; ía até à cozinha tomar chá com eles; já para não falar na sueca onde eles disputavam uns com os outros a ver quem jogava com a Helena, a estagiária. Que saudades tenho das conversas que com eles tinha, que saudades dos jogos de sueca!
Muitas histórias me contavam eles da época de consumos: os meios que arranjavam para conseguir dinheiro para a droga; a instabilidade laboral e familiar; alguns que tiveram experiência prisional me diziam aquilo que faziam na prisão e o que os tinha para lá levado. Enfim, uma série de histórias...
Eles aprenderam muito comigo, eu aprendi muito mais com eles.

No fim do meu estágio, a avaliação que os terapeutas da Reinserção Social fizeram do meu desempenho, relativamente à forma como me relacionei com eles, foi muito boa. Não foi uma relação de demasiada distância, do tipo "Ah, são uns drogados, não me vou misturar com eles", nem uma relação de muita proximidade do género "Somos todos muito amigos". Elogiaram o meu papel de estagiária em que sempre soube manter tanto proximidade como distanciamento nas situações e proporções correctas.
Dos "meus tóxicos" ainda me lembro das palavras que proferiam quando os obrigava a ir limpar, cozinhar e cumprir horários para essas tarefas. Diziam eles "Fogo, não facilitas. És pior que os terapeutas. Bem que nos podias ajudar." Mas tinha de ser assim, quem lida com este tipo de indivíduos sabe como são pessoas manipuladoras, por tal não podemos dispor-lhes tudo nem facilitar nem um bocadinho.
Todavia, andavam sempre a paparicar a Helena estagiária, aconselhavam-se com ela (muitas vezes, vinham mais directamente ter comigo do que com os próprios terapeutas), houve empatia. Essa empatia foi muito importante para a minha investigação visto que, uma vez que a minha principal técnica de investigação foi a entrevista semi-directiva, foi-me mais fácil conseguir disponibilidade deles na recolha de informação. Ficaram todos contentes quando os entrevistei!
Quando me vim embora a tristeza foi mútua. Diziam eles "A Reinserção não vai ser a mesma coisa sem ti..." A minha vida sem eles também não foi a mesma coisa...

Passados 9 meses que cessou o meu estágio curricular ainda mantenho o contacto com muitos deles. Com alguns falo por messenger, outros por telemóvel, por vezes vou mesmo estando com eles.
Contudo, é lamentável como, por parte da sociedade, são vistos como desestabilizadores da ordem pública, vive com medo deles, discriminando-os. O comportamento deles (de consumo) não é, obviamente, legitimavél, no entanto, devemos tratá-los com alguma dignidade. Recordo aqui um episódio: houve um dia em que saí com eles, fomos jantar e tomar um café. Um grupo grande onde se incluiam maioritariamente homens, mulheres somente duas: eu e uma utente. À entrada de um shopping encontro uma amiga minha que me vê com eles e não os conhecendo questiona-me: "Quem são eles, Helena?" Eu respondi: "São utentes do Projecto Homem, vim jantar com eles e agora vamos tomar café." Ela: " Os teus pais deixaram-te vir com eles?" Eu: "Sim." E ela: "Não tens medo de anda com eles?" E eu: "Claro que não. Eles gostam mais de mim do que de heroína!" Tentei ironizar um bocado a situação para com a minha amiga.

Só quem se relaciona com estes indivíduos e experencia uma vivência próxima pode, na verdade, falar mais concretamente deles.
Não os tenho como meus amigos porque, de facto, não sou do grupo de amigos deles. Mas tenho-lhes um carinho especial e eles sabem que podem contar com a Helena. Ainda é hoje o dia que falam comigo para me contarem como está a correr o processo deles e para pedir o meu parecer.
E aqui estarei!

2 comentários:

Anónimo disse...

Já vi tudo!!!Estás apaixonada por um tóxico...lol.
Eu avisei-te...
bjs

Helena Antunes disse...

Loooooool.
És mesmo maluca!

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